sábado, 6 de dezembro de 2025
CRÔNICA

A Obediência que redime

05/12/2025
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Pr. Pedro R. Artigas

Igreja Metodista

 

Naquela manhã cinzenta, o relógio da cidade parecia marcar o tempo com mais lentidão. As pessoas caminhavam apressadas, mas havia um silêncio estranho pairando sobre os telhados. Eu observava da janela, pensando em como a vida se repete em ciclos: trabalho, preocupações, pequenas alegrias, e novamente trabalho. Foi nesse instante que me veio à mente um trecho antigo, quase esquecido, mas que sempre retorna quando o coração se inquieta: “Ainda que era Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu; e, sendo aperfeiçoado, tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hebreus 5:8-9).

A frase ecoava como se fosse escrita para aquele dia comum. Afinal, quem não conhece o peso do sofrimento? Quem não se vê, em algum momento, diante da necessidade de obedecer ao que não entende, de aceitar o que não escolheu? Cristo, o Filho, não foi poupado dessa experiência. Ele não viveu numa bolha divina, distante da dor humana. Pelo contrário, mergulhou nela. E foi justamente nesse mergulho que se revelou a grandeza da obediência.

Pensei em dona Marta, a vizinha que perdeu o marido cedo e criou três filhos sozinha. Quantas vezes a vi sorrindo, mesmo quando o cansaço lhe pesava nos ombros. Sua vida é uma parábola viva: obediência ao chamado silencioso de cuidar, de persistir, de não desistir. Não foi uma escolha fácil, mas foi uma escolha que a aperfeiçoou. Hebreus parece falar também dela, e de tantos outros que aprendem a obedecer ao inevitável, transformando dor em maturidade.

A obediência de Cristo não foi passiva. Não se tratou de resignação sem sentido. Foi uma obediência ativa, consciente, que atravessou o sofrimento e o ressignificou. Ele não apenas suportou; Ele se tornou, por meio disso, fonte de salvação. E aqui está o ponto que mais me inquieta: o sofrimento pode ser inútil, mas também pode ser fértil. Depende da forma como o atravessamos.

Na rua, um menino chutava uma bola contra o muro. A cada chute, a bola voltava, e ele recomeçava. A cena simples me fez pensar: a vida devolve sempre algo do que lançamos. Cristo lançou obediência, e o mundo recebeu salvação. Nós, tantas vezes, lançamos revolta, e recebemos mais amargura. Talvez o segredo esteja em aprender, como Ele, a obedecer mesmo quando o coração grita o contrário.

Obediência não é submissão cega. É confiança. É acreditar que há um sentido maior, ainda que invisível. É como plantar uma semente sem saber exatamente quando virá a colheita. Cristo plantou sua obediência no solo árido da cruz, e a colheita foi eterna. Nós plantamos no cotidiano: no perdão que oferecemos, na paciência que exercitamos, na esperança que insistimos em manter.

Hebreus nos lembra que a salvação não é apenas um destino, mas um processo. Cristo foi “aperfeiçoado” pelo sofrimento. Aperfeiçoar-se é ser lapidado, como pedra bruta que se torna joia. E quem já viu um lapidador sabe: o processo é doloroso para a pedra. Mas sem cortes, não há brilho. Talvez seja isso que a vida faz conosco: corta, fere, mas também revela o brilho escondido.

Ao fechar a janela, percebi que o dia seguia igual, mas eu já não era o mesmo. A lembrança do texto me fez enxergar que cada dor pode ser uma escola, cada perda pode ser um mestre. Cristo aprendeu a obediência, e eu também sou chamado a aprender. Não para me tornar perfeito, mas para me tornar humano em plenitude. E, quem sabe, para que minha pequena obediência também seja fonte de vida para alguém.

No fim, a crônica da manhã se resume a isso: o Filho sofreu, obedeceu e salvou. Nós sofremos, obedecemos e aprendemos. Entre o céu e a terra, há esse fio invisível que nos liga: a obediência que redime, que transforma, que dá sentido. E talvez seja esse o maior milagre: que o sofrimento, quando atravessado com fé, não nos destrói, mas nos aperfeiçoa.

Estamos no segundo domingo do Advento, momento de esperança e de espera no Salvador, mas também momento de reconciliação primeiro consigo mesmo, deixando a mágoa, o ressentimento, perdoando e deixar-se ser perdoado, depois praticando a palavra de Jesus quando diz amai ao vosso próximo como a ti mesmo. Para então viver a alegria do Natal de Cristo. Shalom.